Agenda ESG em tempos de policrises: entre a conscientização crescente e o ceticismo resistente
Crenças, atitudes, comportamentos – o velho caminho tortuoso
Todo manual de psicologia social já repetiu esse mantra: as mudanças de comportamento não acontecem em linha reta. Primeiro, vêm as crenças e valores que formam nossas atitudes; só depois, e se o mundo permitir, essas atitudes se transformam em comportamentos. É bonito no papel – e angustiante na vida real.
Autores clássicos como Milton Rokeach (1973) mostraram que valores são as colunas que sustentam nossas escolhas. Fishbein e Ajzen (1975), com a Teoria da Ação Racional, deram o passo seguinte: crenças moldam atitudes, atitudes orientam intenções, e intenções viram comportamentos. Mais tarde, Ajzen adicionou uma dose de realismo: além das intenções, há normas sociais e percepção de controle que podem embaralhar tudo (1991). E Albert Bandura já alertava: aprendemos também pelo exemplo e pelo ambiente; não vivemos em laboratório.
Pois bem. A teoria está aí, sólida. Mas o que acontece quando tentamos aplicá-la à agenda ESG? Descobrimos que informação e consciência até existem, mas o salto para a ação continua sendo, digamos, um “ato de fé”. Afinal, quem nunca prometeu reduzir o uso de plástico e acabou aceitando aquela sacolinha “só hoje”?
A fase da conscientização – e o labirinto das policrises
O estudo Ipsos Reputação 360° 2025 revela que o Brasil já superou a fase da informação. Os cidadãos sabem o que é sustentabilidade, mesmo que cada um a defina de um jeito. Quase 40% ainda associam diretamente ao meio ambiente, mas termos como “autossuficiência” e “durabilidade” começam a ganhar espaço. Estamos na fase da conscientização – e é justamente aí que a história fica interessante.

Imagem 1 - Gráfico – “Sustentabilidade: top of mind”
Porque se a conscientização fosse o fim da jornada, já estaríamos todos vivendo em condomínios de energia solar, reciclando até a tampa da caneta. Mas não: vivemos em um cenário de policrises – crises ambientais, políticas, sociais e econômicas que se acumulam e se retroalimentam. Para complicar, a guerra cultural insiste em transformar até a ciência em campo de batalha. E nesse fogo cruzado, qualquer narrativa em torno de ESG vira alvo.
O resultado? Dados nada animadores: 62% dos brasileiros acreditam que empresas usam ESG apenas como maquiagem de imagem, enquanto apenas 47% confiam em selos e certificações. Ao mesmo tempo, dois em cada três dizem que sustentabilidade importa – desde que não custe mais caro.

Imagem 2: Gráfico “Confiança em selos e certificações”
Traduzindo: a consciência está lá, mas a conversão em prática encontra uma lista nada curta de obstáculos. Informação não é ação. E enquanto não resolvemos o dilema entre valores e carteira, seguimos tropeçando nesse labirinto.
Empresas: protagonistas por decreto popular
Quem deve assumir a liderança? Para o público, o governo continua tendo papel central. Mas quando a questão é quem deve pagar a conta, a população não hesita: 75% afirmam que as empresas precisam absorver o custo da sustentabilidade, sem repassar ao consumidor. Fácil pedir, difícil executar – mas essa é a régua do jogo.

Imagem 3: Gráfico “Responsabilidade pelo custo da sustentabilidade”
Para os comunicadores, isso tem implicações diretas. Não basta anunciar compromissos em conferências nem espalhar slogans verdes em comerciais emocionantes. É preciso mostrar impacto real, com transparência e regularidade. Num ambiente saturado de ceticismo, cada promessa não cumprida é combustível para desconfiança. E, convenhamos, ninguém quer ser lembrado como “aquela empresa do greenwashing”.
O IPPE – medindo a reputação ESG
Para organizar essa equação complicada, o Ipsos Reputação 360° criou o Índice de Percepção de Performance Empresarial (IPPE), que avalia 130 empresas em 15 atributos, cobrindo os três pilares ESG. O índice funciona como um termômetro: mostra não só quem está na frente, mas também quais dimensões puxam ou derrubam a reputação.
Em 2025, nenhuma empresa foi avaliada negativamente, mas o resultado geral ficou na fronteira da neutralidade. E, de novo, a hierarquia se confirma: sem governança sólida, ambiental e social não se sustentam. Ética, transparência e compliance deixaram de ser apêndices – são a base sem a qual todo o castelo desmorona.

Imagem 4: Quadro “Atributos do IPPE por pilar”
O ranking Reputação 2025 – quem está no topo
O IPPE traz ainda o ranking das marcas que melhor se saem aos olhos da população conectada. Em 2025, o Top 10 ficou assim:
1. Natura (742 pontos)
2. O Boticário (714)
3. Google (696)
4. Nestlé (692)
5. Avon (690)
6. Ypê (688)
7. Faber-Castell (683)
8. Tramontina (681)
9. Samsung (678)
10. L’Oréal (674)
Natura segue imbatível, sustentada por uma trajetória que combina biodiversidade, inovação e governança exemplar. O Boticário cresce graças ao investimento em diversidade e causas sociais. Google surfa na imagem de inovação e governança global, embora ainda seja visto com ressalvas sobre privacidade. Nestlé e Avon garantem lugar pela combinação de programas sociais com esforços em circularidade. Os demais completam o pódio pela consistência entre discurso e prática.
A mensagem é simples: quem mostra coerência entre fala e ação, sobe no ranking. Quem não consegue, fica estagnado.
As contradições do consumidor
Vale um parêntese irônico aqui: se o consumidor cobra tanto das empresas, por que não faz sua parte? A resposta aparece nos dados. Dois em cada três brasileiros não estão dispostos a pagar mais caro por produtos sustentáveis. Ou seja, o desejo existe, mas só até a hora de abrir a carteira. Afinal, quem nunca disse que “vai pensar no planeta”, enquanto escolhe o refrigerante pelo preço da promoção?
Essa contradição não invalida a cobrança às empresas. Pelo contrário: reforça que a expectativa social é que o setor privado faça o que o indivíduo, sozinho, não consegue bancar. É o famoso “façam vocês, porque nós já estamos no limite”.
O recado para os comunicadores
Se há algo que salta aos olhos neste relatório, é que ESG deixou de ser um apêndice reputacional para virar critério de sobrevivência. Para quem trabalha em comunicação e marketing, ficam alguns recados:
• Governança é ticket de entrada: sem ética e transparência, não há narrativa que se sustente.
• Métricas importam mais que slogans: não adianta emocionar se os números não fecham.
• Greenwashing e greenhushing são armadilhas: exagerar ou omitir é receita certa para desconfiança.
• A cadeia de valor está no foco: não adianta ter sede sustentável se o fornecedor desmata.
• ESG é jornada, não campanha: reputação se constrói com coerência ao longo do tempo.
Conclusão – entre consciência e ceticismo
O Brasil de 2025 vive uma encruzilhada. A consciência sobre sustentabilidade avançou, mas o ceticismo e as barreiras econômicas freiam a transformação em prática. Empresas, gostem ou não, assumem o protagonismo – e são cobradas a entregar o que governos e cidadãos não conseguem.
Para os profissionais de comunicação, a lição é clara: reputação ESG não se conquista com discursos inspiradores, mas com governança, consistência e provas concretas. No fim do dia, a batalha não é apenas por market share, mas por share of trust – e este só se conquista com transparência radical.
E aqui cabe a ironia final: em tempos de policrises, talvez a pergunta não seja se as empresas querem liderar a agenda ESG, mas se elas têm escolha. Spoiler: não têm.