Pesquisa sobre as Relações Raciais em 10 capitais
Estudo conduzido pela Ipsos-Ipec entre 1 e 20 de julho de 2025 com 3.500 internautas de 10 capitais brasileiras, revela que a percepção sobre o racismo é uma realidade disseminada. Oito em cada dez respondentes (78%) acreditam que existe diferença no tratamento entre pessoas brancas e negras (pretos e pardos) no acesso e atendimento em diversos serviços.
Os ambientes onde essa discriminação racial é mais notada são os espaços de consumo e de ascensão econômica. Os shoppings e estabelecimentos comerciais (lojas, restaurantes, mercados) foram citados por 57% dos participantes, seguidos pelo ambiente de trabalho (processos de seleção, dia a dia e promoções), com 44% das menções. A rua e espaços públicos de convivência aparecem em terceiro, com 31% e as escolas, faculdades e universidades, em quarto, com 29%.
A percepção é mais acentuada entre a população negra: 60% dos participantes pretos e pardos apontam a discriminação em shoppings e comércios, enquanto 47% mencionam o ambiente de trabalho. Entre os brancos, esses números são de 54% e 41%, respectivamente. Ademais, Salvador e Belém registram o maior patamar de menções ao tratamento desigual em shoppings e comércios, 65% e 62%, nessa ordem. Notavelmente, a parcela de entrevistados brancos que afirma não existir diferença de tratamento é quase o dobro da registrada entre pretos e pardos (14% contra 8%).
O retrato da desigualdade estrutural
A pesquisa também evidencia como o racismo estrutural se reflete no perfil socioeconômico da amostra. Entre os internautas brancos das 10 capitais estudadas, 52% possuem Ensino Superior, índice que cai para 34% entre os pretos e pardos. A população preta/parda, por sua vez, concentra-se no Ensino Médio (58%).
A disparidade se mantém na análise de renda e classe social. Enquanto 40% dos brancos pertencem à Classe A/B, 22% dos pretos/pardos estão nesse estrato. No outro extremo, a população preta/parda é maioria na classe D/E (21%, contra 6% dos brancos) e na faixa de renda familiar de até 2 salários mínimos (52%, contra 34% dos brancos).
Soluções: punição, educação e a divergência sobre cotas
Quando questionados sobre as medidas mais eficazes para combater o racismo, as soluções mais citadas são “aumentar a punição para atos de injúria racial e racismo” (42%), “debater o tema em escolas e incluir o assunto no currículo escolar” (34%) e “punições mais severas para policiais que cometerem abusos contra pessoas negras” (33%). Há uma percepção comum entre pessoas brancas e pretas sobre a necessidade de punição e educação.
No entanto, o tema das ações afirmativas mostra divergência quando observados os resultados pelo recorte de raça/cor. A proposta de "eliminar as cotas raciais nas universidades" foi apoiada por 18% dos internautas brancos, ante 12% dos pretos e pardos. Em contrapartida, a "criação de cotas raciais em cargos de poder e decisão" é mais defendida por pretos e pardos (13%) do que por brancos (8%).
Internautas de Fortaleza (42%), Belém (41%) e Belo Horizonte (40%) dão maior foco à educação e ao debate do tema nas escolas. Já o debate sobre cotas mostra diferenças por localidade: Fortaleza é a capital com maior apoio à eliminação das cotas nas universidades (19%). Em contrapartida, Salvador (BA) é a que mais apoia a criação de cotas em cargos de poder (14%), e uma das que menos apoia sua extinção nas instituições universitárias (11%).
O papel dos brancos no combate ao racismo
Para praticamente metade dos entrevistados (49%), o principal papel das pessoas brancas na luta antirracista é se informar mais e se educar sobre o assunto. Contudo, a população negra cobra uma autocrítica mais profunda: 33% dos internautas pretos e pardos das capitais pesquisadas acreditam que os brancos devem reconhecer os próprios privilégios, um ponto mencionado por 24% dos brancos.
Em Salvador, a cobrança para que pessoas brancas reconheçam seus próprios privilégios é significativamente maior (36%) do que o percentual registrado no total da amostra (29%). Além disso, as capitais do Norte (Manaus e Belém) e do Nordeste (Fortaleza e Recife) registram os maiores percentuais de internautas que defendem o voto em pessoas negras como uma forma de combate ao racismo, com índices que variam de 10% a 13%, enquanto a média nacional é de 8% e a do Rio de Janeiro é de apenas 4%.
Percepção sobre o racismo ambiental
Com relação ao racismo ambiental, quase metade dos internautas declara que a população negra é mais impactada por problemas como a dificuldade de acesso à água potável e saneamento básico (50%), deslizamentos de encostas e desabamentos (48%) e inundações ou alagamentos (48%).
Em Salvador, a opinião de que a população negra é mais impactada do que outros segmentos raciais se associa mais fortemente aos deslizamentos e à poluição sonora (66%). Já em Belém, a associação predominante é com a falta de saneamento e de água potável (60%).
"A pesquisa revela que o racismo é uma realidade reconhecida pela grande maioria dos internautas nas principais capitais do país. Além de mostrar a percepção da discriminação em espaços cotidianos, o estudo é um espelho de uma realidade vivida e um reflexo fiel da desigualdade estrutural do nosso país. Vemos uma população negra com menor acesso à educação superior e concentrada nas faixas de menor renda”, afirma Patricia Pavanelli, Diretora de Opinião Pública e Política da Ipsos-Ipec. “Os resultados ainda apontam para uma demanda clara da sociedade por ações concretas, que vão desde a punição mais severa até a educação. No entanto, a pesquisa também nos provoca a ir além. As diferentes visões sobre as políticas afirmativas, como as cotas, e as particularidades de cada capital, com forte associação ao racismo ambiental em Salvador e Belém, mostram que o combate ao racismo precisa ser, ao mesmo tempo, nacional em sua urgência e local em sua aplicação.", complementa Pavanelli.
Sobre a Pesquisa
A Pesquisa Viver nas Cidades: Relações Raciais é uma realização do Instituto Cidades Sustentáveis, realizada pela Ipsos-Ipec, elaborada com o objetivo de verificar a percepção dos internautas residentes em dez capitais brasileiras sobre temas relevantes relacionados às relações raciais na cidade em que vivem.
O universo considera internautas de 16 anos ou mais, das classes ABCDE, que moram nas capitais de interesse há pelo menos 2 anos. O trabalho de campo foi realizado entre os dias 1 e 20 de julho de 2025.
Foram realizadas 3.500 entrevistas de forma online, distribuídas entre as cidades de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia, com controle de cotas pelas variáveis sexo, idade, classe social e ocupação.
A amostra foi elaborada com base em dados do Censo 2010, PNADC 2022 e da Ipsos-Ipec, com controle de cotas por sexo, idade, classe social e ocupação. O nível de confiança é de 95% e a margem de erro para o total da amostra é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Para os resultados por capital, a margem de erro pode variar de 4 a 6 pontos percentuais, de acordo com a amostra da cidade.
Realizada no âmbito do Programa Cidades Sustentáveis, a pesquisa conta com o cofinanciamento da União Europeia, como parte do “Programa de fortalecimento da sociedade civil e dos governos locais para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. O projeto tem como parceiros institucionais a Frente Nacional dos Prefeitos e Prefeitas (FNP) e a Estratégia ODS.
Sobre a Ipsos-Ipec
A Ipsos anunciou no fim de fevereiro a aquisição do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), um dos principais players em pesquisa de opinião pública e política no Brasil.
Fundado em 2021 por executivos do IBOPE Inteligência, o Ipec é reconhecido por sua expertise em pesquisas de opinião e análises políticas, por meio de estudos qualitativos e quantitativos, tanto online quanto offline. Também realiza estudos de consumo nas áreas de marca, comunicação e produtos. Possui capacidades únicas, principalmente quando se trata de projetos de alta complexidade que precisam representar adequadamente as diversas perspectivas da grande e variada população brasileira. Ipsos-Ipec é a área de pesquisas de opinião pública da Ipsos no Brasil.
Sobre o Instituto Cidades Sustentáveis
O Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) é uma organização da sociedade civil criada em 2007, com o objetivo de fortalecer as instituições públicas e a democracia, bem como promover o debate sobre o enfrentamento das mudanças climáticas. Produzimos conteúdos, metodologias e ferramentas de apoio à gestão pública municipal e ao desenvolvimento de projetos em rede, utilizando como base indicadores de desempenho nas diversas áreas de atuação da administração pública.
A atuação do ICS envolve também a articulação, mobilização e sensibilização de gestores públicos municipais para a implementação de políticas públicas que promovam a melhoria da qualidade de vida da população em seus variados aspectos. Esse trabalho é desenvolvido em duas frentes: a Rede Nossa São Paulo, com foco na capital paulista; e o Programa Cidades Sustentáveis, de âmbito nacional, voltado para todos os municípios brasileiros.