Paradoxo da sobrevivência: 56% precisam de "bicos" para fechar as contas e 41% cortam carne da alimentação
Levantamento Ipsos-Ipec e Instituto Cidades Sustentáveis aponta que a necessidade de renda extra é mais crítica em Belém, Manaus e Fortaleza. Em São Paulo, 71% sentem o aumento da fome e pobreza, maior índice do país. Estudo também mostra que avanço educacional entre gerações não garante prosperidade.
Uma nova pesquisa realizada em 10 capitais brasileiras expõe um cenário de profunda contradição econômica e social. Embora 57% dos respondentes relatem que sua renda pessoal aumentou ou se manteve estável no último ano, uma parcela quase idêntica (56%) precisou recorrer a atividades extras para complementar o orçamento. O aperto financeiro se reflete diretamente na mesa: 41% das famílias reduzem o consumo de carnes, enquanto 29% aumentam o de ovos, uma proteína mais acessível.
Os dados são da pesquisa "Desigualdades e Mobilidade Social", uma iniciativa do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) e da Ipsos-Ipec. Foram realizadas 3.500 entrevistas de forma online, distribuídas entre as cidades de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia, com controle de cotas pelas variáveis sexo, idade, classe social e ocupação.
A necessidade de uma fonte de renda complementar é um fenômeno generalizado, mas com diferenças geográficas interessantes. Os moradores das capitais da região Norte apresentam os quadros mais críticos: em Belém (70%) e Manaus (69%), sete em cada dez pessoas precisaram de um "bico" para fechar as contas. Fortaleza (65%) também se destaca com um índice elevado. Em contrapartida, Porto Alegre (47%) é a capital com a menor proporção de pessoas nessa situação. Entre as atividades mais procuradas estão serviços gerais como faxina e manutenção (17%), venda de artigos usados (12%) e produção de alimentos em casa para venda (9%).
Percepção de Pobreza e Impacto no Orçamento
Apesar da aparente estabilidade na renda de uma parte da população, a percepção geral é de piora no cenário social. Dois terços (66%) dos internautas afirmam que o número de pessoas em situação de fome e pobreza aumentou em sua cidade nos últimos 12 meses.
São Paulo lidera essa percepção, com 71% dos moradores sentindo o agravamento da crise. Em contrapartida, Goiânia (52%) e Fortaleza (57%) registram os menores índices de percepção de aumento, embora ainda majoritários.
Quando questionados sobre as soluções, a população aponta para medidas estruturais: 74% defendem a criação de políticas de garantia de emprego como a principal ação a ser tomada pelas prefeituras.
O impacto no orçamento familiar é liderado de forma esmagadora pela alimentação, citada por 84% dos respondentes como o item de maior peso. Em seguida, aparecem saúde (57%) e moradia (55%). Em Manaus, os gastos com transporte (42%) têm um impacto significativamente maior que a média nacional (33%); o mesmo ocorre com a educação em Belém (32%, contra 19% no total da amostra).
Mobilidade Social: A Promessa Quebrada da Educação
A pesquisa também investigou a mobilidade social entre gerações e revelou uma conquista histórica com um alerta para o presente. Sete em cada dez entrevistados (72%) alcançaram um nível de escolaridade maior que o de seus pais.
Contudo, esse avanço educacional não se traduziu na mesma medida em prosperidade econômica. Menos da metade afirma ter uma renda maior (45%) ou uma condição de moradia melhor (47%) que a de seus pais na mesma idade.
A pesquisa expõe a grande contradição da nossa época: temos a geração com o nível mais alto de instrução, mas que enfrenta uma incerteza econômica sem precedentes. A educação, que por décadas foi o principal motor de ascensão, já não consegue, por si só, garantir um futuro próspero, evidenciando que a conexão entre o capital educacional e o bem-estar financeiro se tornou mais frágil.
Olhando para os últimos cinco anos, a instabilidade se confirma: 44% viram sua renda aumentar, mas um contingente expressivo de 35% sofreu perdas. A condição de moradia melhorou para 37%, mas ficou estagnada para 35%. Novamente, há destaques regionais: Manaus (52%) e Belém (50%) registram as maiores proporções de pessoas que conseguiram melhorar sua escolaridade nos últimos 5 anos, além disso, nas mesmas capitais, 48% e 46% dos internautas, respectivamente, indicam melhora na sua condição de moradia no período.
Sobre a Pesquisa
A Pesquisa Viver nas Cidades: Desigualdades é uma realização do Instituto Cidades Sustentáveis, em parceria com a Ipsos-Ipec e a Fundação Volkswagen, elaborada com o objetivo de verificar a percepção dos internautas residentes em dez capitais brasileiras sobre temas relevantes relacionados a desigualdades sociais e econômicas.
O universo considera internautas de 16 anos ou mais, das classes ABCDE, residentes em 10 capitais brasileiras: Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. Em cada levantamento foram realizadas 3.500 entrevistas de forma online. A coleta dos dados sobre mobilidade social foi realizada de 2 a 27 de dezembro de 2024, as demais perguntas foram aplicadas entre os dias 1º e 20 de julho de 2025.
As amostras foram elaboradas com base em dados do Censo, PNADC e dados da Ipsos-Ipec, com controle de cotas por sexo, idade, classe social e ocupação. O nível de confiança é de 95% e a margem de erro para o total da amostra é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Para os resultados por capital, a margem de erro pode variar de 4 a 6 pontos percentuais, de acordo com a amostra da cidade.
Realizada no âmbito do Programa Cidades Sustentáveis, a pesquisa conta com o cofinanciamento da União Europeia, como parte do “Programa de fortalecimento da sociedade civil e dos governos locais para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. O projeto tem como parceiros institucionais a Frente Nacional dos Prefeitos e Prefeitas (FNP) e a Estratégia ODS.