Número de postagens sobre violência contra a mulher cai; debate precisa ser mais estimulado para aumentar conscientização
Nesses três anos de pandemia, o número de publicações online sobre a violência contra a mulher vem caindo gradativamente. Se em 2020 o Brasil produziu 2,6 milhões de publicações sobre o tema, o número caiu para 860 mil em 2021 até chegar em 752 em 2022. Em 2019, pré-pandemia, a quantia havia sido de 1,1 milhão.
A constatação é de um levantamento feito pela Ipsos, em parceria com a ONU Mulheres, em cinco países da América Latina: além do Brasil, estão México, Guatemala, El Salvador e Honduras. Com exceção de Honduras, todos eles apresentaram uma queda no volume de publicações.
As pessoas estão interagindo mais com os conteúdos publicados – ou seja, curtindo e compartilhando - do que falando sobre o tema da violência. O Brasil é o que mais produz conteúdo digital sobre o assunto, enquanto o México, segundo colocado, registrou aproximadamente 640 mil publicações no último ano. Mas, quando se compara esse número de publicações ao total de feminicídios ocorrido em cada país, o México é quem dá maior importância ao tema. Além disso, o índice que mede a taxa de publicaçõespor feminicídio no Brasil caiu em relação ao período anterior (-5 pontos percentuais).
“A queda nas conversas on-line não significa que haja desinteresse do público, mas sim que a pauta tem sido pouco estimulada – vide o crescimento do engajamento quando o tema é mencionado. É muito importante que imprensa, empresas privadas e instituições continuem dando visibilidade a este assunto”, avalia Helena Junqueira, gerente sênior de Social Intelligence Analytics da Ipsos no Brasil e coordenadora do levantamento.
As notícias on-line sobre violência contra a mulher, ao contrário das redes sociais, têm aumentado: os 15 anos da lei Maria da Penha, campanhas como o Agosto Lilás e casos de violência contra mulheres e crianças ganharam a atenção da mídia nos dois últimos anos. A mídia brasileira sempre dá muito destaque a casos policiais, mas a relação da violência com política e cultura ganhou espaço nos últimos anos. O Brasil agora é o país com maior volume de notícias, posição antes ocupada pelo México.
Nas redes sociais brasileiras, casos de estupro contra crianças geraram especial comoção nos últimos dois anos. Misoginia e regulamentação do aborto foram alguns dos temas mais comentados, especialmente quando mulheres e meninas enfrentam dificuldades e julgamento social para realizar o procedimento garantido por lei.
Com auxílio de recursos de inteligência artificial, foram mapeadas discussões on-line sobre feminicídio e outras práticas de violência contra mulheres e meninas no Brasil em plataformas como Twitter, Instagram e YouTube, por exemplo. A partir deste estudo, foi possível identificar o perfil das pessoas que mais conversam sobre o assunto nas plataformas de mídias sociais.
Entre os brasileiros que publicam esse tipo de conteúdo nas redes, a maioria é homem (56% contra 44%), tem entre 25 e 34 anos (63%) e expressa, principalmente, sentimentos de pena, tristeza e confusão. “Trabalhar na conscientização masculina é essencial. Na onda anterior desse estudo, fizemos uma análise das buscas no Google, que mostrou que muitos homens estão buscando informação para entender se estão sendo abusivos com suas parceiras. Hoje há grupos de apoio masculinos trabalhando na prevenção e na redução de reincidência, com ótimos resultados. É importante que os homens consigam enxergar seu papel na cultura machista e que tenham ferramentas para participar dessa transformação”, diz Helena.
A cultura de massa tem se mostrado um forte indutor para as conversas sobre violência contra mulheres. Reality shows como Big Brother Brasil e A Fazenda têm despertado discussões on-line sobre relações abusivas e violência física e psicológica. O mesmo acontece quando celebridades compartilham suas experiências pessoais de abuso.
“As redes sociais têm o papel de gerar visibilidade para o assunto, provendo informação para mulheres que estejam sofrendo algum tipo de violência hoje ou que venham a sofrer no futuro. Além de existir um falso mito de que a violência está mais presente em determinadas classes econômicas, etnias ou regiões, é muito comum que as vítimas demorem a perceber a gravidade do que estão sofrendo, ou ainda tenham medo e vergonha de denunciar seus agressores. Quanto mais se fala sobre o assunto na internet, mais informação e acolhimento nós mulheres vamos encontrar”, finaliza Helena.